O cinema cubano aqui e agora

O cinema cubano aqui e agora

Por Dean Luis Reyes
Há milhares de opiniões circulando a respeito do cinema cubano. Algumas se originam da impugnação: as películas não expressam a realidade do país, pois se enfocam sobretudo numa parte dela, especialmente a uma zona reduzida de Havana, onde residiria um modo de vida vinculado ao pitoresco, à escala de valores do sobrevivente. Ou, pelo contrário, as películas se dedicam a desviar a atenção dos verdadeiros problemas com assuntos estranhos, ou contam micro histórias que renunciam a expressar alguma versão das questões cubanas.
Este interesse especial pelo cinema cubano – inexistente com essa ênfase aos âmbitos artísticos como a literatura, a dança ou o teatro – tem a ver com o caráter público do cinematográfico, seu alcance massivo, apesar do processo de extinção das salas de projeção.
Essa circulação de opiniões deixa claro dois sintomas do presente: primeiro, embora sejam exibidos cada vez menos películas de realizadores nacionais – em 2017 somente três longas de ficção foram estreados nas salas – os espectadores vão cada vez mais aos cines locais. Segundo: é consistente a percepção do público nacional sobre o cine cubano como um cenário simbólico onde se discute representações que falam em nome do coletivo nacional. Algo que, vale a pena recordar, foi semeado a partir da intensa relação afetiva entre nossa cinematografia e seu destinatário. Poucos cines nacionais enfrentam esse tipo de demanda.
Mas também existem as opiniões dos que assistem filmes com mais frequência, e emitem juízos bastante categóricos.
O crítico Javier Gómez Sánchez, por exemplo, fala de “morbo e censuras no cinema cubano, porque a ausência de financiamento local para as produções cubanas faz com que seus realizadores busquem fundo estrangeiros, onde são favorecidas visões parciais da nossa realidade”.
Partindo da censura institucional imposta em 2016 ao longa Santa y Andrés (de Carlos Lechuga), Gómez Sánchez adverte sobre o suposto cansaço do público com essas reiterações de motivos: “cansado de filmes onde todas as paredes estão despintadas, todas as realidades são deprimentes, em que todos os personagens são vítimas das instituições, sem jamais receber nada de bom delas, onde todas as histórias são reais, sim, mas não por isso deixam de se sentir rebuscadas. E também cansativas”.
Para o crítico, essa tendência nasce nos Anos 90, com as coproduções com a Espanha, mas alcança o presente. “Já nem é mais pelo clichê lúdico dos espanhóis, agora é a visão morbosa e decadentista sobre a `ilha comunista´. Essa visão pornô turística tem cenários próprios. Décadas atrás o cinema cubano era criticado por não sair da capital, especialmente por motivos econômicos, mas agora ele se encerrou ainda mais, não sai nem do centro de Havana, e por motivos temáticos. O que esperam então dos cineastas cubanos? Filmes espantosos, quanto mais melhor. Que mostrem casas rústicas, bairros marginais, personagens delinquentes, transexuais, prostitutas, vagabundos, doentes terminais. Todos desejando fugir da ilha. Cenários em ruínas, decadentes, obscuros, sempre o mais deprimente possível”.
A atenção das autoridades culturais, do Estado cubano, deveria ser dirigida a favorecer as produções nacionais, que não dependam do financiamento de fora, e com isso eles teriam mais condições de fazer filmes “completamente cubanos”, que ofereçam uma imagem mais ampla e complexa do país.
Outro crítico, Harold Cárdenas Lema, lamenta que não se filmem mais em Cuba cenas de blockbusters estadunidenses. Ele lembra a experiência de “Rápidos e Furiosos 8”, para apontar que “nossas películas parecem estancadas na marginalidade de Havana, fachadas destruídas e famílias disfuncionais. Em “Rápidos e Furiosos 8” se vê alguns clichês da indústria, mas sua equipe de produção veio buscar as belezas da cidade e não a porno-miséria, ponto a seu favor. “Quem quiser ser realista em nossas produções futuras deve mostrar a Cuba, os solares do centro de Havana, os edifícios de micro brigada e as casonas de Siboney. O pão racionado e o champagne, porque ambos existem”, comenta Lema.
É curioso revisar os longas-metragens cubanos dos últimos cinco anos, e ver que apenas dois cumprem com as características mencionadas: Conducta (de Ernesto Daranas, 2012) e Últimos días en La Habana (de Fernando Pérez, 2016). Nenhum dos dois, até onde considero, são visões simples ou mercenárias, muito menos apelam à pornô- miséria. Bailando con Margot (de Arturo Santana, 2015), é um noir de época. Café amargo (de Rigoberto Jiménez Hernández, 2015) é um drama ambientado na Sierra Maestra de final dos Anos 50. Cuba libre (de Jorge Luis Sánchez, 2015), uma película histórica, assim como são, à sua maneira, El acompañante (de Pavel Giroud, 2015) e La emboscada (de Alejandro Gil, 2014). Vuelos prohibidos (de Rigoberto López, 2015) é uma história de amor e La Ciudad (de Tomás Piard, 2015) um filme de autor acerca da memória e do perdão. La cosa humana (de Gerardo Chijona, 2015) é uma comédia negra que dirige seu sarcasmo ao falso moralismo. Meñique (de Ernesto Padrón, 2014) é uma versão animada de um relato de José Martí. Os longas de Eduardo del Llano, um de ficção científica (Omega 3, 2014) e uma alegoria histórica (Vinci, 2011). Como se vê, coisas interessantes foram produzidas em pouco mais de meia década.
E estes acima citados são somente as obras que estrearam nas salas. As que não estrearam, como La obra del siglo (de Carlos Machado Quintela, 2015), Caballos (de Fabián Suárez, 2014), Espejuelos oscuros (de Jessica Rodríguez, 2014), Memorias del desarrollo (de Miguel Coyula, 2010), Molina’s ferozz (de Jorge Molina, 2010), Jirafas (de Enrique Álvarez, 2012), entre outros, não tem nada a ver com a tendência de mostrar a Cuba mesquinha, como mencionamos anteriormente. Das estreias deste ano, pode-se destacar Ya no es antes (de Lester Hamlet) e El techo (de Patricia Ramos). Não tentando apontar quais são as boas e as más películas, apenas felicitando as que ao menos fogem do lugar comum.
Algumas posturas que questionam os relatos do cine cubano chegam inclusive a propor temas não presentes neles. O escritor Octavio Fraga costuma abordar questões da história nacional recente, relatos que produzem uma visão da obra da revolução cubana além da vertente que reconstrói o passado histórico. Entre eles, reconhece o fundo de verdade humana e de drama que reside no trabalho dos cientistas do Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia, nos integrantes do Balé Nacional de Cuba, na Cruzada Teatral Guantánamo, temas quase nunca retratados no cinema nacional.
Para ele, “a épica e tenacidade são imprescindíveis para a formação de valores. Muitos outros exemplos associados à esta ideia poderiam ser enunciados. A obra da Revolução Cubana está cheia de experiências tenazes, de histórias que abrigam a épica, permitindo que sua reprodução ao cinema não se baseie na simples – ainda que necessária – memória histórica ou na cronologia dos fatos”. O autor admite que suas opiniões são “meras provocações para seduzir os narradores fílmicos. O primeiro desafio que proponho é o de vencer as dificuldades que persistem em Cuba para se fazer cine, mas o segundo seria a de revisitar e renovar a nossa história através dessa linguagem”.
Uma boa pergunta que se pode fazer é por que não existem, entre as produções mais recentes, tantos filmes ou roteiros como os que propõe Fraga. Essas posturas dizem falar de cinema, mas na verdade estão se referindo a outra coisa: política. A produção cubana nunca deixou de se interessar por isso. Pelo contrário, é parte do eixo de sua trajetória temática, como proposta estética que aspira a politizar o espectador, a provocar uma inquietude em torno do mundo que perdure não somente o tempo em que se projeta um filme. Tal vocação tem colidido várias vezes com a corrente autoritária, que buscou uma arte de representação mais amena e amável, balanceada e massificante, e viu no cinema uma forma de arte da ilustração e não da especulação ou da criação de alegorias – que é a essência do trabalho de produção de sentido da ficção. A mesma corrente que, por estes dias, programou uma obra prima do cine mundial, como é O Encouraçado Potemkin (de Sergei Eisenstein, 1925), como parte de uma programação televisiva didática dedicada a comemorar o centenário da revolução bolchevique. E essa corrente encontra no cinema cubano um oponente magnífico.
O primeiro que devemos questionar sobre essas opiniões é a ignorância a respeito dos assuntos abordados pelo cine cubano de hoje. Os argumentos das películas cubanas geralmente são etiquetados com relatos carregados de homossexuais, proxenetas, mulatas, vida dura, alimentando um certo fetiche por esses preconceitos. É um incômodo que não se restringe ao cinema, um sintoma clínico, que tem a ver com a percepção das representações simbólicas como questão conectada à produção da hegemonia. E que confunde os fins da aproximação artística e das tramas da conspiração política. Pois os filmes, que jamais são inócuos ideologicamente, no fundo são somente isso: representações.
Dean Luis Reyes é crítico de cinema da Inter Press Service (IPS) de Cuba.

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