A direita contra os direitos – Por Nicolás Centurión

Por Nicolás Centurión*

A atual situação do campo popular no Uruguai não reflete o mesmo mar de felicidade, como provavelmente se deu ao menos durante a última década. Embora a realidade dos movimentos sociais não se caracteriza pela estabilidade, e sim por uma luta constante.

Os blocos políticos de direita e esquerda se mantêm geralmente nas mesmas posições históricas. Não há novos fenômenos no cenário político, como foi o Podemos, na Espanha desta década, surgido do movimento dos Indignados, ou o Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN), no México dos Anos 90.

Entretanto, a situação dos movimentos sociais é muito mais convulsionada e dramática que a dos partidos políticos em geral. A direita partidária tem avançado nestes anos, tentando recuperar seu patamar histórico de votos e ameaçando os direitos conquistados, tanto os trabalhistas quando os sociais, numa estratégia de ataque direto ao que tenta rotular pejorativamente como “agenda de direitos”.

A direita social opera sobre o que a direita política não pode atuar explicitamente. Com grupos de voluntários, ONGs financiadas do exterior e think tanks para traçar as linhas de pensamento e ação, com tentáculos que começam a se entrelaçar no continente.

Mudança na direção de um mesmo objetivo

No Uruguai, assistimos a um aumento da agressividade da direita. Em parte, porque perdeu as últimas três eleições nacionais, mas também porque não sabem como fazer para derrotar a Frente Ampla. A direita tradicional, em seu afã por recuperar o prestígio que teve em outras épocas, apela a uma mudança de estética visual e discursiva, usando agora um tom mais conciliador – “pela via positiva” e “construindo pontes” são as novas expressões preferidas de seu principal líder, Lacalle Pou – para maquiar as verdadeiras intenções de fundo que pretendem. Para isso, tentam se apropriar inclusive de algumas bandeiras da esquerda, e captar os votos de alguns desprevenidos.

Só uma grande coalizão da direita poderia levá-los novamente ao pode. Mas há suspeitas entre os diferentes setores parecem impedir essa opção. O Partido Colorado e o Partido Nacional – “as famílias ideológicas”, como foram definidas pelo ex-presidente (colorado) Julio Sanguinetti – não sempre podem se sentar juntas na mesma mesa.

Mas em outro plano, vêm surgindo novas figuras, tanto na direita social quanto na direita política, ainda carentes de maior relevância, mas que tentam crescer e se posicionar.

Money for nothing

Uma dessas figuras é Edgardo Novick, um empresário outsider na política. Apareceu com seus milhões para adquirir vários meios de comunicação e espalhar cartazes pelas vias públicas. Defende o discurso da excelência na gestão como solução às deficiências do Estado, que segundo ele deve de ser administrado como uma empresa. Se autodefine como “não político” e assegura não ter ideologia – embora seja um paradoxo, já que não há maior definição política do que a explicitação de ser da não-política.

Tem conseguido captar o apoio de dirigentes tanto do Partido Nacional quanto do Colorado, obtendo o segundo lugar nas últimas eleições municipais de Montevidéu, atraindo os desavisados e desencantados com o sistema político em geral. Nas pesquisas que medem o panorama para as presidenciais de 2019, Novick se posiciona em quarto lugar – e é, portanto, um dos que têm possibilidades.

Outro caso é o movimento “Um Só Uruguai”, que aglutina diferentes setores do agro, sejam eles pequenos, médios ou grandes produtores, e que sacudiu o noticiário uruguaio (ou teria sido sacudido pelos meios de comunicação hegemônicos?) com transmissões em rede nacional camufladas. Se fizeram escutar, ler e ver seus discursos em uníssono. O argumento dos meios para dar a eles maior cobertura foi a presença massiva que seus atos teriam apresentado. Algo pouco convincente, já que outras manifestações, como a Marcha do Silêncio (para recordar as vítimas da ditadura) e as Marchas Pela Educação, entre outras, tiveram muitíssimo mais público que os atos do movimento “Um Só Uruguai”, mas não foram transmitidos em rede nacional.

O movimento é aglutinador, e diz representar os pequenos e médios produtores, embora os que se dizem médios produtores só falam sobre a realidade dos grandes produtores e latifundiários, e as propostas para melhorar as condições do trabalhador rural brilham por sua ausência.

Seu futuro é incerto, mas está claro que seu apoio comunicacional junto aos meios privados e grandes setores concentrados do país é um aliado importante, que pode levá-lo a sonhos maiores.

Vínculos de todos os lados

Outro setor que apareceu em cena há um tempo e o movimento antidireitos A mis hijos no los tocan (“não toquem nos meus filhos”), fundado em 2016 por Christian Rosas, com inspiração no movimento estadunidense dos Anos 70 Save our children (“Salvem as nossas crianças”), mas também relacionado com o grupo peruano Con mis hijos no te metas (“Não se meta com os meus filhos”).

O movimento uruguaio se posicionou contra a despenalização do aborto, contra o guia de educação sexual nas escolas, contra o matrimônio igualitário, entre outros temas. Na última marcha a favor da lei do aborto, no dia 8 de março (a mais massiva das últimas décadas na história de Uruguai), eles se apresentaram para fazer provocações, com cartazes que diziam, por exemplo, “feminina sim, feminista não”.

Este grupo tem estreitos vínculos com a Igreja evangélica Missão Vida, do Pastor Jorge Márquez, segundo o admitido pelo próprio Christian Rosas. Márquez é sogro de Álvaro Dastugue, parlamentar do Partido Nacional e referente do setor liderado pela senadora Verónica Alonso, que se encontra envolvida no escândalo dos chamados Lares Beráca (centros de reabilitação para jovens moradores de rua ou viciados em drogas), acusados de fazer os internos trabalharem em sua campanha eleitoral ao Senado.

Também existe um possível vínculo econômico entre a Igreja Missão Vida e o financiamento da campanha de Alonso, o que também está sendo investigado pela Comissão de Financiamento dos Partidos Políticos da Câmara dos Deputados.

Por último, vem surgindo um novo grupo partidário de militares da reserva, que está em busca de um partido tradicional que os abrigue, para concorrer nas próximas eleições. Paradoxalmente, este partido se denomina “Unidos Podemos”, exatamente igual à coalizão entre os partidos espanhóis de esquerda Podemos e Esquerda Unida.

A direita continental vive e luta. Agora temos as igrejas evangélicas operando no Uruguai e seguindo fielmente os santos sacramentos dos documentos de Santa Fé, que falam de um projeto político ideológico desse setor. Já pudemos apreciar o poder que exercem no Brasil, os valores que representam e o que estão dispostos a fazer. Quem, pensa que não existe a luta de classes que atire a primeira pedra.

(*) Nicolás Centurión é estudante de licenciatura em Psicologia da Universidade da República e analista associado ao Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE) – estrategia.la

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